Sobre como os portugueses são nostálgicos e os brasileiros não

Um dos estereótipos que mais vezes ouço repetido é que os portugueses são nostálgicos e melancólicos, enquanto que os brasileiros são todo o oposto. A base para esta afirmação é, logicamente, o que cá chega destas duas culturas, a saber, o fado de Portugal e tudo o resto do Brasil.

Ontem, na aula de pintura, ouvia com atenção as letras de canções de Bossa Nova, canções que já ouvi tantas vezes, letras que sei de memória mas que talvez nunca tenha analisado à luz deste estereótipo. E pensei que os argentinos (e não só) falam tanto da nostalgia dos portugueses, comparando com a alegria dos brasileiros, claramente porque assentam a sua convicção num estereótipo que se vai reforçando e alimentando de si próprio.

Posto isto, cabe aqui então desmentir que nem toda a música portuguesa é fado (nem Madredeus, que a seu tempo também vinha constantemente à baila quando eu dizia ser portuguesa); nem todo o fado é triste (ora pensem na letra do Sr. Vinho e digam lá se não tenho razão) e, apesar de gostarmos de fado, nem só de fado vive um português.

Por outro lado, nem toda a música brasileira é animada e optimista, pois há muita poesia que fala da dor da separação, da nostalgia de se ser trocado por outra pessoa ou do sofrimento de se ser deixado para trás. Talvez esta seja uma reminiscência da herança portuguesa no Brasil, talvez, mas convenhamos que o Brasil já é independente há algum tempo e que Portugal não é o país do mundo mais conhecido pela exportação da sua cultura (ou sequer pela sua representação no estrangeiro) nos tempos que correm.

Imagino que muita gente saiba de que lado do oceano vem a letra que se segue. Não diminuindo nem um milímetro a beleza da sua poesia, acho que podemos concluir que é bastante (frisemos o bastante) triste e nostálgica:

Mais um adeus
Outra separação
Outra vez solidão
A ausência é um sofrimento

O amor é uma agonia
Vem de noite, vai de dia
É uma agonia
E de repente
Uma vontade de chorar

“Mais um adeus”, letra de Vinicius de Moraes

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7 comments

  1. alcinda leal says:

    É uma coisa que se observa bem na Blogosfera, de que os Brasileiros são bastamente praticantes!
    Eles(as) escolhem sempre poemas de dor, de perda, de sofrimento…
    Se considerarmos que as pessoas que usam a Net são um pouco o reflexo do país…
    Curiosamente nos meus passeios pela blogosfera já várias reflecti sobre isso…
    Tudo bem?
    Beijinhos
    tia Alcinda

  2. Ahimsa says:

    Se dúvidas houvesse, sobre o que estás a dizer, que concordo na totalidade:

    A insensatez que você fez
    Coração mais sem cuidado
    Fez chorar de dor
    O seu amor
    Um amor tão delicado
    Ah, porque você foi fraco assim
    Assim tão desalmado
    Ah, meu coração quem nunca amou
    Não merece ser amado

    Vai meu coração ouve a razão
    Usa só sinceridade
    Quem semeia vento, diz a razão
    Colhe sempre tempestade
    Vai, meu coração pede perdão
    Perdão apaixonado
    Vai porque quem não
    Pede perdão
    Não é nunca perdoado

    Insensatez
    (Tom Jobim/Vinícius de Moraes)

    Eu fui à Feira de Castro
    P’ra comprar um par de meias
    Vim de lá cumas chanatas
    E dois brincos nas orelhas

    As minhas ricas tamancas
    Pediam traje a rigor
    Vestido curto e decote
    Por vias deste calor

    Quem vai à Feira de Castro
    E se apronta tão bonito
    Não pode acabar a Feira
    Sem entrar no bailarico

    Sem entrar no bailarico
    A modos que bailação
    Ai que me deu um fanico
    Nos braços de um manganão

    Vai acima, vai abaixo
    Mais beijinho, mais bejeca
    E lá se foi o capacho
    Deixando o velho careca

    Todo o testo quer um tacho
    Mas como recordação
    Apenas trouxe o capacho
    Qu’ iludiu meu coração

    Quem vai à Feira de Castro
    E se apronta tão bonito
    Não pode acabar a Feira
    Sem entrar no bailarico

    Sem entrar no bailarico
    A modos que bailação
    Ai que me deu um fanico
    Nos braços de um manganão

    Eu fui à Feira de Castro
    Eu vim da Feira de Castro
    Eu fui à Feira de Castro
    Eu vim da Feira de Castro
    Eu fui à Feira de Castro
    E jurei para mais não…

    Feira De Castro
    (Paulo Abreu / Rui Veloso)

  3. Billy says:

    Obrigada Ahimsa e Solange!

    Vocês foram buscar exemplos que jamais me ocorreriam…

    Tia, tudo bem por aqui. É curiosa, a tendência, não é? Desafia um bocado o estereótipo instituído.

  4. Anonymous says:

    Como diria uma amiga minha, tristeza é coisa de pobre e pobres há em toda a parte. Olha os blues…
    fungaga

  5. Emilio Aguiar says:

    Bem, acho que não estamos falando apenas de música mas sim do jeito de ser e sentir de 2 nações distintas mas com muita coisa em comum. Honestamente, acho que o fato de Portugal ser de certa forma taxada como nostálgica esta muito ligado a realidade do clima europeu. O clima mais frio torna as pessoas mais introspectivas e reservadas, isso é fato.Tenho certeza que se o Brasil fosse na Europa iriamos ouvir o mesmo em relação aos brasileiros. Como aqui o clima é mais tropical e quente, sem dúvida isso contribui para que as pessoas sejam mais abertas e otimistas em relação a vida mas analizarmo issoapenas pelo ponto de vista musical, acho meio duvidoso pq o músico coloca muito de si em uma música e isso acaba relatando mais de como ele se sente do que em como as pessoas se sentem!

    • air says:

      Obrigada pelo comentário, Emilio!

      Estou de acordo que o clima tem bastante influência na psique e na cultura de um povo; e claro que analisar a nostalgia só pela música também é um grande salto! Mas lembro-me que na altura em que escrevi este post achei muita graça à redescoberta da letra: enquanto que a melodia era (na minha opinião, claro) “cálida”, a letra era quase antitética.

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