Recebi um mail curioso com o título “A minha pátria é a língua portuguesa”. É um desses emails que convidam a ir assinar uma petição que protesta contra qualquer coisa, desta vez sobre a implementação do novo acordo ortográfico da língua portuguesa.
Não sendo linguista nem especialista no assunto, tenho uma opinião. Bem, é óbvio que é uma opinião e mais nada, mas quem aqui vem já sabe que lê as minhas opiniões e que elas podem ser tão palermas como outras quaisquer. Ou não, sabe-se lá.
Pois bem, sobre esta matéria, devo dizer que acho um perfeito disparate de repente o português de Portugal (chamemos-lhe “europeu”, como também lhe podemos chamar “lusitano”; esta distinção só serve mesmo para isso, para o distinguir) se transformar-se em português do Brasil.
Atenção, não estou aqui a advogar a superioridade do português europeu (que, curiosamente, para mim está do “outro lado do Atlântico”) nem da inferioridade do português do Brasil. E sim, bem sei que é um acordo entre todos os países da CPLP, mas chamemos os bois pelos nomes: a questão cinge-se a – praticamente – só estas duas variantes, a portuguesa e a brasileira. Retomando, não estou a advogar a superioridade de uma em relação à outra variante. Apenas acho que não é por de repente em Portugal termos de escrever “úmido” sem “h” ou “fato” sem o “c” que os brasileiros nos vão entender melhor.
Separemos aqui as águas: um brasileiro que leia palavras como “adopção” sabe perfeitamente do que se trata, tal como um português que leia a palavra “adoção”. O que um brasileiro, regra geral, não entende é quando um português fala com o seu sotaque habitual: fechado e sibilante. Ora o acordo não prevê a alteração da fonética, ou prevê? Ainda que preveja, lamento, mas não vou dizer “fato” quando quero dizer “facto”. Para mim são coisas bem diferentes.
A questão prende-se com a grafia (dado que é um acordo ortográfico). Hoje em dia há editoras em Portugal que escolhem “adaptar” para português europeu livros escritos originalmente em português brasileiro. No Brasil, o caso é igual. Para quê, se a grafia também confere carácter ao texto? Sobretudo sabendo que os falantes de cada uma das variantes nacionais reconhece a outra e entende perfeitamente o seu significado.
No fundo, tudo isto me parece apenas uma questão política: enquanto que Portugal tem pouco mais de 10 milhões de habitantes, o Brasil tem mais de 186 (dados da wikipedia; mesmo que não estejam correctos, o que não me parece, a diferença é sempre substancial). Que Portugal queira assinar um acordo ortográfico que muda a sua grafia para ficar igual à brasileira, para mim não passa de uma manobra política: assim todos falamos a mesma grande língua, sem variantes nacionais, dado que todos vamos escrever (oficialmente) da mesma maneira. É como ter um pequeno Portugal à frente de todos os outros países de língua oficial portuguesa. E não há muita paciência para revivalismos! A língua já é a mesma, com as variantes nacionais e regionais de todos os países que a partilham. A meu ver, estas variantes enriquecem a língua e estar a unificá-la, pelo contrário, empobrece-a.
Para mim, Portugal fazia bem melhor em aumentar a sua presença no Brasil, para deixarmos de ser todos Marias, Manéis, padeiros e parolos. E para ver se os brasileiros passavam a entender-nos quando falamos, tal como nós os entendemos a eles. E atenção: esta não é uma crítica à falta de ouvido dos brasileiros. É, sim, à incapacidade de Portugal de se representar culturalmente com força no estrangeiro, nomeadamente no Brasil.