Month: June 2008

Bolívia parte VI: visita às minas de Potosí

A visita a uma das minas do Cerro Rico, em Potosí, não foi uma experiência feliz. Que não pensem que não gostei: gostei. Mas é algo verdadeiramente impressionante: a pobreza, a falta de higiene básica, as condições de trabalho, a qualidade do ar, tudo é extremo e miserável naquela vida de mina. Aos sete anos de trabalho da mina, quase invariavelmente as pessoas adoecem e em todas as famílias há alguém que está acamado ou já morreu por complicações daí derivadas.

A visita começa com o juntar do material: impermeáveis para pôr em cima da roupa, botas, capacetes e a luz. Daí, vamos para o mercado. Para que serve esta ida ao mercado? Para comprar presentes para dar aos mineiros.

A mina é explorada por cooperativas e cada mineiro vende aquilo que extrai. Uma das formas que encontraram para aumentar os seus (magros) rendimentos é abrir a mina ao turismo, coisa que se transformou numa indústria paralela à extractiva.

Qualquer pessoa em seu juízo completo vê aquelas condições de trabalho e pensa duas vezes: por isso mesmo vamos ao mercado comprar folhas de coca, que serve de combustível geral – e, paradoxalmente, para entorpecer – quem lá trabalha.

Para além da coca, compramos também álcool e um refrigerante. O álcool é a 96º, ou seja, álcool de desinfectar feridas, só que potável e com um ligeiro sabor açucarado. Há quem o beba assim, directamente da garrafa. Mas com a ajuda do guia (aliás, o guia, perante o nosso olhar atónito), lá se faz uma mistura com refrigerante, que vamos distribuindo aos mineiros que vamos encontrando.

Antes de entrarmos na galeria da mina, conversamos um pouco com quem está a descansar ao sol, a mascar coca e a beber (claramente para esquecer). Têm vinte anos ou menos e todos aparentam ser mais velhos que eu. Provavelmente não chegarão aos 30, certamente não chegarão aos 40, segurissimamente não terão nunca 50 anos.

E entramos no buraco escuro.

Os olhos habituam-se progressivamente à fraca luminosidade proporcionada pelo candeeiro empoleirado no capacete e lá vamos progredindo, umas vezes de pé, outras quase de joelhos, com muitas cabeçadas (“capacetadas”) nas paredes e no tecto das galerias. Aos nossos pés, às vezes há rios de uma água laranja que só pode ser tóxica. Do tecto pendem cristais de arsénico, responsável por muitas das doenças dos mineiros. Tirar fotografias é quase inútil: as partículas de pó em suspensão reflectem a luz do flash. Para quê tirar fotografias se aquelas imagens nunca vão conseguir sair da minha cabeça?

Quando encontramos mineiros, sentamo-nos a conversar com eles, damos-lhe folhas de coca e também mascamos folhas de coca. A seguir, fazemos o inevitável brinde com a bebida carregada de álcool a 96º: o primeiro sorvo é para a Pachamama, e por isso devemos entorná-lo para o chão (deixem-me acrescentar aqui que a Pachamama bebeu sempre grandes quantidades do meu copo, já que eu tratava sempre de entornar mais que de beber).

Se cá fora está Deus, lá dentro está o Diabo. E é ao Diabo que é consagrado o altar mais imponente. Chamam-lhe “Tio”, para não atrair a má sorte, e tratam-no como se de um deus se tratasse: tem direito a brinde, a cigarros e a folhas de coca. Tem forma antropomórfica, botas e luvas de mineiro, e um descomunal pénis erecto, para que ninguém esqueça a sua condição humana.

A claustrofóbica que vive em mim já estava desejosa de rever a luz de dia, de beber água e de lavar as mãos e foi com alívio que vi o guia encaminhar-se no sentido que eu pensava ser o da saída.

Cá fora, respirei com imensa alegria o ar rarefeito dos 4200m acima do nível do mar.

Bolívia parte V: Potosí

O relato da viagem à Bolívia tem-se prolongado mais do que devia mas tudo se deve a muito boas causas: não só tivemos visitas cá em Buenos Aires, como também tivemos o casamento dos nossos amigos no Brasil. E, claro, muito trabalho. Nem por sombras me estou a queixar, já que convívio é sempre agradável (ainda por cima, deu para “praticar” português!), mas como consequência o relato da Bolívia tem-se arrastado mais do que devia.

E, para atacar directamente o “problema”, ao relato regresso, no ponto em que estávamos: Salar de Uyuni, frio, terra no meio do nada, muito vento, paisagem maravilhosa, piquenique à beira do salar, na encosta de um vulcão, flamingos no cenário, melhor excursão da minha vida.

No dia seguinte deixámos Uyuni para trás, no mesmo jipe da viagem ao Salar, pela estrada que estava marcada no mapa. Sim, no mapa, mas, no terreno, de estrada tinha muito pouco. Era o sítio onde um dia irá estar a estrada, para sermos mais rigorosos. Uma viagem de 200km até Potosí levou cerca de 6 horas a fazer. Fez-me lembrar, em alguns momentos, aquelas longas, longas viagens até ao Algarve ou até à Capinha, em que subíamos e descíamos serras, vencendo infinitas curvas e moendo a paciência aos nossos pais com o inevitável Ainda falta muito?

Nesta viagem, só por vergonha não perguntei mais vezes se ainda faltava muito, sobretudo porque aquela futura-estrada não era a melhor amiga da bexiga mais robusta do mundo. Sem estrada, é claro que estação de serviço também não havia; em contrapartida, havia hectares e hectares de casa de banho, protegidas por biombos de cactos, árvores de flores vermelhas e a ocasional llama mais curiosa.

A paisagem à beira do caminho era de cortar a respiração: pequenos regatos congelados pelo frio da noite, llamas com flores nas orelhas (servem de identificação), montanhas de cacau, pó no ar e vento, sempre o vento. No meio do nada, erguia-se uma pequena aldeia construída com tijolos de adobe, mimetizando-se totalmente com a paisagem. Quem viveria ali no meio do nada? À beira daquele caminho que nem sequer era estrada? Onde haveria água para os abastecer?

A exploração mineira é a fonte de riqueza daquela zona e a razão para o estabelecimento daqueles povoados. Os maiores, mais perto das minas, são também muito completos com cinemas e campos de pelota basca (nem sequer sabia que se jogava pelota basca na Bolívia, mas parece que sim. E aqui na Argentina também há o ocasional campo!). Numa das curvas do caminho, o guia aponta-nos para uma montanha, igual em aspecto a todas as outras, e diz-nos: “esa montaña es Cerro Rico y atrás está Potosí”. Não mais tirei os olhos da montanha: detrás, tinha o aspecto de todas as outras, cacau que voa com o vento. Quando vemos a encosta onde se estende Potosí, aí sim: a montanha está totalmente esburacada e desfigurada. A única coisa que eles não alteram é o contorno exterior que se vê da cidade. Fora isso, são estradas, acessos, caminhos, casas, tudo ao serviço da extracção do minério.

Potosí é uma cidade colonial com um centro histórico muito bonito e muito bem separado da parte onde viviam os locais. A cidade espanhola tem muralhas e entradas e o acesso era restrito: entravam espanhóis e crioulos; os nativos só durante o dia, penso eu, e para ir fazer comércio. De resto, tudo separado. Em Potosí, mais que em qualquer outro lugar que visitámos, nota-se bem a pirâmide social do tempo da colónia: os espanhóis no topo, a seguir crioulos, depois as pessoas separadas de Espanha por mais gerações, as llamas e, no finalzinho, os aymará e restantes tribos nativas. Sim, estavam abaixo das llamas… Depois dos aymará – ou seria ao mesmo nível? – os escravos importados de África para explorar a mina.

Toda a cidade gira à volta da mina, de onde se extrai prata. Hoje em dia tem uma universidade e uma grande população estudantil que consegue fugir ao destino de mineiro, destino certo para quem não tem posses ou outra alternativa para alimentar a família.

Na cidade colonial visitámos a Casa da Moeda, uma construção enorme (para a escala local) que serviu de fábrica de cunhagem de moeda e que hoje alberga um museu multidisciplinar. Lá há de tudo, como na feira. Tivemos algo de azar com a pessoa que nos fez a visita guiada lá: parecia zangada com toda a gente em geral e com os turistas em particular. Não se cansou de repetir, como se a culpa fosse especificamente de quem a ouvia, que o mundo ocidental (a Espanha, principalmente) tinha vivido e enriquecido à custa da prata de Potosí, extraída à custa de muito sofrimento humano. É claro que ela tem toda a razão no que diz, mas a forma como o diz pareceu-me um pouco fora de tudo. Desubicada é o novo termo oficial.

Segundo pátio da Casa da Moeda de Potosí.

Portão de entrada para uma das “casonas” coloniais, hoje divididas em muitas pequenas casas que funcionam como um condomínio quase fechado, só que de gente sem dinheiro.

Ruas e esquinas de Potosí.

Mercado de Potosí.

Quando perguntámos ao “nosso” guia, o que nos tinha levado ao Salar, se havia muita animosidade dos bolivianos em relação a Espanha, respondeu-nos de forma muito clara: “Com Espanha? Não. Com o Chile, que nos tirou o acesso ao mar.” E isto fez-me pensar em quando tenho uma dor de cabeça que passa quando a dor de barriga é muito maior e me distrai da primeira dor.

Em Potosí sentimo-nos num hotel de luxo, de vinte e quatro estrelas, pelo menos, porque tinha aquecimento central. E sim, era bem necessário, porque o gelo que se forma durante a noite nas ruas não chega a descongelar durante o dia, apesar de as temperaturas subirem até aos 15ºC. Ao jantar, pudemos comer num restaurante aquecido e entrar na internet sem gorro na cabeça.

Um dos três pátios do nosso hotel. Estão a ver a fonte no meio? Lá dentro, a água está congelada!

Mas a grande experiência de Potosí seria no dia seguinte: a visita à mina.

On my desk

My Wednesday “on my desk” post is actually on Thursday. This has been such a hectic week, and after having busy weekends with friends visiting or travelling to visit friends, days go by without my having time to even post.

I´ve been working on several new design projects for a very good client and that has been filling my days up completely. Whenever I´m waiting for an answer via email, I frame some of the papercuts that I did during the last few months and knit a few more stitches on my very first sock (top-down; I started one toe-up but had a bit of trouble reading the instructions and unfortunately can´t find videos about it…). It´s also my first time knitting with dpn´s and I´m just trying to get hang of it.

See the tea? There it is, as usual!

ETA: I´ve added a button to my side bar so that you can go directly to Kootoyoo´s for more desks.

Pé-de-moleque

Na revista da companhia aérea em que viajámos vinha um artigo sobre o “pé-de-moleque”. Eu nunca na vida iria adivinhar o que era, nem vendo a lista de ingredientes (certo, poderia desconfiar, mas certezas não teria): raspadura, amendoim e mais qualquer coisa que não recordo. Felizmente havia fotografia.

Ora bem, agora enuncio os ingredientes em português lusitano: mel e amendoim (e talvez mais qualquer coisa mas realmente não sei).

Mais dicas: em Lisboa, como este doce na Feira do Livro, subindo e descendo os passeios do Parque Eduardo VII. Ainda não? Hmmm… comê-lo é uma prova de resistência dentária – e é certo que alguma pelinha do amendoim fica agarrada aos dentes.

Ainda não? Ora bolas, é o nosso nougat!!!! (e digo esta palavra francesa bem à portuguesa: “nôgá”)

O que é curioso nisto tudo é que já tinha tentado explicar à minha amiga carioca o que é que era típico em Portugal nesta altura do ano, a par da sardinha assada e do cheiro a manjerico. Com nougat não chegámos lá. Agora já sei que o pé-de-moleque é típico das festas juninas (a que nós chamamos “os Santos”) e que tem variações conforme a zona do Brasil em questão.

Afinal sempre se aprendem coisas novas nas revistas de avião!

Atrasos

Estou claramente atrasada no meu relato da viagem à Bolívia. Entretanto, já fomos a Santos, uma cidade no litoral do estado de São Paulo, no Brasil. Foi uma visita de médico, uma viagem-relâmpago, para assistir ao casamento de um amigo. Foi muito bom voltar ao Brasil, ainda que por pouco tempo, e ver casas à portuguesa, com telhados à portuguesa, calçada portuguesa, comer croquetes e eles saberem a Portugal e falar português o tempo todo. É certo que nem sempre nos entendem e que temos de forçar um pouco a abertura das vogais nas palavras, mas a língua continua a ser a mesma.

Que bom é estar no Brasil.

Bolivia part IV: Salar de Uyuni

Em português, aqui.

If you wish to see more photos, visit the post I wrote in portuguese.

*

After some days, I´m resuming my posting about our trip to Bolivia, on the last week of May, which is the beginning of winter. Although Bolivia is not known for having four seasons, winter comes with particularly chilly temperatures and the best place to experience the shivering cold was definitely Uyuni.

But Uyuni is not known for being cold in winter. The reason people travel there today is to visit its salar. It is a huge, huge “lake” of salt, with a diameter of 140km. Apparently it is about 11m thick and underneath there are some water “channels” that, at some point come up and break the surface. This water is loaded with lithium and other minerals and is believed to be helpful in curing skin conditions.

Well, but all that isn´t what is the most striking characteristic of this place: its other wordly appearance is what makes a person feel dizzy. And, as the guides told us, it can be very disorienting if the sky is cloudy, as mountains in horizon disappear and everything becomes white.

Going in winter means that most of the yearly rainfall is avoided, as it occurs mostly during the summer months of January and February. We got all the cold, wind and sun one could expect at this time of the year. Nevertheless, I don´t regret it the tiniest bit. The visit to the salar was probably one of the (travelling) days best spent in my whole life. Its white neverending surface brings the visitor to the moon and back, when realising that on the other side there are mountains with regular coloured earth.

Travelling from its entrance in Colchani to the volcano on the opposite shore was a surreal experience: at some point there were no other landmarks to be seen and only the guides could give us the security of going to a specific place. It is terrifyingly beautiful and striking; it´s a lanscape that cannot be forgotten.

We had lunch on the opposite shore, near the small lakes that appear between the salt and the earth. Thanks to the water there´s some small vegetation and contrasting flaming pink flamingoes. It´s incredible how in such a short distance (just a few metres), one goes from no life at all, just salt, into a green tapestry with fluorescent flamingos drinking water and keeping their balance on just one leg.

This beautiful scenery made our meal the most special one throughout the trip. It was a simple meal though, but who cares about that with such scenery and great company.

Speaking of which, I cannot help myself and mention (again?) how good most of the guides were: we had a guide and a driver for just the two of us and they never, ever rushed us. They took their time to explain things and answered all our questions. They always respected our times as well, as walking and climbing, at this altitude, was a bit of a hard workout. Entrance to monuments was always included and we never had to pay any “extras”. These are the tiny details that made this trip even more special, I think.

Going back to the salar, no trip is complete without going to Isla Incahuasi, an island of earth in the middle of the salt lake. It´s funny how one can get to an island by car, but that´s really how it goes. From the top of the hill, this is the view to be had:

Surreal, right?

Poster | Cartaz "Mesa Redonda"


This is a poster for a “round table” meeting to discuss changes in land management law. I´m not sure if “round table” means “meeting” and “discussion” in english, but it does in portuguese and that was my main idea for this poster.

For more information, head over to GEOTA´s homepage.

*

Este é o cartaz para a Mesa Redonda organizada pelo Geota, cujo objectivo é discutir as alterações ao regime jurídico na gestão territorial.

Para mais informações, sigam para a página do GEOTA.

Finished! | Terminada!

My first sweater ever is finished! The pattern comes in this year´s “El Arte de Tejer” and it is called “Semimurcielago”. It´s easy to knit but the instructions aren´t very thorough, which may be a problem for rookies like me. I did improvise a bit but basically followed the instructions given. It´s a comfy and warm sweater but raising my arms makes the whole sweater come up to my chest, thanks to its “bat” sleeves. It was a good first sweater, I think!

*

Ora aqui está a minha primeira camisola tricotada. Sou do género vagaroso a tricotar mas isso não é coisa que me importe demasiado porque gosto muito do “durante”. Mais do que a parte das costuras e desconfio que até da parte de vestir as peças terminadas! Resumindo: estou contente com a minha camisola. Agora tenho de arranjar um poncho para lhe pôr por cima para sair à rua, porque já comprovei que o casaco não funciona.

On my desk


The days after coming back from Bolivia have been very busy with work. It´s all related with graphic design and until they´re published it´s the usual thing: no blogging about it.

To distract me a bit from all the computer work I´m revisiting some old papercuts I did that are waiting to be framed and hung. There´s also my knitting project at the moment: a small one because at this point my mind cannot bear anything too complicated.

I must say that I´m happy for being commissioned with all these projects but I certainly miss the time spent illustrating (or papercutting, for that matter), away from the computer. It makes me feel… well, more fulfilled, maybe?

As a soundtrack, I´m enjoying listening to this podcast whenever “Once” (its original soundtrack) isn´t playing on a loop.

Telegrama

Uma mensagem bem curtinha:

Nunca estive em África, mas neste post a minha amiga F. conseguiu ser bastante colorida nas suas memórias da viagem à Guiné-Bissau. Dicforte, não queres ir ler?

Bolívia parte IV: Salar de Uyuni

A excursão ao Salar de Uyuni foi uma das melhores, senão a melhor, excursões da minha vida. A Bolívia está parada no tempo e ainda não está muito preparada para receber turismo. Embora não tenhamos sido propriamente “pioneiros a desbravar um destino novo”, o facto de o país não ter boas estradas, por exemplo, faz com que haja menos turismo. Havendo menos turismo, há menos contaminação com hábitos menos simpáticos de outros países. Ora vejamos: cá na Argentina (e provavelmente também em Portugal), há um hábito de, no meio de uma excursão, impingir restaurantes aos viajantes, daqueles com ementa única e preço único (geralmente alto). Na Bolívia, não: entradas em parques, refeições e bilhetes já estavam todos incluídos e realmente não tivemos despesas imprevistas. Além disso, em quase todos os passeios tivemos uma guia exclusivo para nós, o que permitiu sempre ter um contacto um pouco mais fundo com as pessoas.

Todo este preâmbulo para chegar aqui: a excursão ao salar foi maravilhosa. Passámos a maior parte do dia sem ver absolutamente ninguém e, só chegados à Ilha Incahuasi, uma ilha no meio do salar que serve como ponto de reabastecimento ali no meio do nada, encontrámos outros turistas. Tivemos a companhia constante de um guia fantástico e do motorista do todo-o-terreno indispensável para o trajecto.

Saímos de manhã de Uyuni e fomos ao cemitério das locomotivas.

Aqui descansam em absoluta paz as locomotivas que transportavam as mercadorias para o Chile, ou seja, para o Pacífico, e daí para o resto do mundo. Uyuni era o ponto de encontro de algumas das linhas e, por isso, nasceu ali o pueblo mais abandonado e isolado do altiplano andino (não tenho factos para suportar esta afirmação, apenas a minha observação). O sal que vem do salar corrói a chapa e, aos poucos, só se vêem os seus esqueletos. Mas esta foi só a primeira paragem deste dia cheio de surpresas e emoções.

Dali seguimos para Colchani, uma mini-aldeia à beira da entrada do salar, que vive exclusivamente da produção de sal e de lembranças feitas de sal. Vimos como se faz a produção (artesanal, difícil e sofrida) e depois o artesanato local. A coisa boa, mais uma vez, é que ninguém nos impingiu nada.

Paragem seguinte, já perto da entrada do salar, foi o hotel de sal. Um dos hotéis mais insólitos do mundo, está construído com tijolos de sal e o chão está revestido de sal grosso, que tapa todos os canos e tubos que por lá passam. Excepto as partes que contactam com água, tudo o resto é feito de sal. O hotel tem todos os confortos que alguém pode desejar ali naquele lugar, incluindo aquecimento central (que não estava ligado), uma piscina, espreguiçadeiras e solário e ainda gabinetes para massagens. Tanto conforto ali parece deslocado.

A sala de estar do hotel de sal

A piscina, numa zona de estufa, com as espreguiçadeiras.

O interior de um dos quartos.

Até aqui só tínhamos visto o salar mais ou menos ao longe. Mas depois de entrar lá dentro, a sensação muda radicalmente: entramos num deserto branco onde as únicas referências são as montanhas que se erguem ao longe, a mais de 70 quilómetros de distância. É grande. E branco.

O salar é o que resta de um gigante lago que preenchia todo o altiplano, que se assemelha, visto de cima, a uma enorme bacia. A água foi evaporando ao longo dos anos, deixando o Lago Titicaca, os lagos mais pequenos e menos profundos que vimos na viagem de comboio entre Oruro e Uyuni e vários salares. Apesar de a água deste grande lago ser doce, arrastou os minerais das montanhas, que se acumulam nas zonas mais baixas, formando os salares. Abaixo da superfície de sal (que tem, pelo menos, 11 metros de espessura), existem lençóis de água muito mineralizada, que brota aqui e ali, formando pequenas bolinhas. Dir-se-ia que a água estava a ferver, mas não.

Esta água é muito rica em lítio e estas “borbulhas” são de oxigénio.

Ao longe vimos montículos de sal, prontos para serem carregados nas camionetas a caminho de Colchani.

E depois foi altura de nos adentrarmos no Salar. Ao longe, um vulcão adormecido. Para lá nos dirigimos, por cima das marcas deixadas pelas rodas de outros veículos. A isso eles chamam “estrada”. E vem marcada no mapa. Quase uma centena de quilómetros mais tarde (deu para fazer uma mini-sesta no caminho), chegámos a “terra”. Na encosta do vulcão existe uma necrópole, que visitámos. Não é a necrópole que é particularmente interessante, mas sim o facto de ela existir ali: a severidade do clima obrigou a uma intensa adaptação das pessoas e dos animais. À beira daquele deserto de sal, singra a vida. Existem umas poças de água, suficientes para as lamas (os animais) se hidratarem e os flamingos sobreviverem. A paisagem surreal que é o salar fica ainda mais surreal com aquelas manchas de verde pintalgadas do rosa estridente das suas plumagens.

O indispensável saltinho, inspirado na , na Prainha e na Sónia. Aquelas migalhitas que se vêem ao longe são os flamingos. E, gente, a minha câmara não apanhou a intensidade de todas aquelas cores: naquele ar tão rarefeito ficam estridentes.

Naquele cenário paradisíaco, fizemos um piquenique, aquele que não pude ter nos anos. Fingi que era o meu aniversário e aproveitei-o ao máximo. A comida estava boa, sim, mas o melhor de tudo foi o sol, o salar, o vulcão e os amigos flamingos. Foi um momento insuperável, cuja emoção é difícil de relatar. Em “duas” palavras: a-mei.

Com o sol já em rota descendente fomos em direcção à Ilha Incahuasi. Subimos ao seu ponto mais alto e esta era a vista de lá de cima:

Sal, cactos, terra. Lindo.

A superfície do salar tem uma textura curiosa:

Chegou a hora de voltar a Uyuni, com óculos, cabelo, pele e roupa cobertos de sal.

E aqui passámos um mau bocado com o frio. Tanto até que fomos para a cama às oito da noite, o único lugar onde eventualmente poderíamos estar a salvo do ambiente agreste. E, convenhamos, há melhores razões para ir para a cama.

Bolivia part III: Oruro to Uyuni

Em português, aqui.

**

Leaving La Paz was a bit of a relief. The city is a busy, busy valley and the expectation of seeing a bit of countryside was great. We were southbound to Oruro, a mining city where Carnival festivities are the country´s most famous. The route is a straight one, something I got used to here in Argentina, but still the landscape was impressive. It was pure, arid desert. Mountains surrounded us in the horizon, looking like cocoa powder hills.

Travelling by bus in Bolivia is not a pleasant experience: people stand in aisles, seat in aisles, eat in aisles, seats are uncomfortable (specially compared to argentine buses, which offer first-class service) and toilets are non-existant. We got to Oruro and my bladder was at its fullest.

We still had a couple of stops before getting to the restaurant: picking up train tickets and checking-in luggage. And then food. And toilet, of course.

In Oruro the dust flies with the wind that blows and sweeps the altiplano. There are no trees and vegetation is sparse. It gets to be warm under the sun but staying in the shadow is almost freezing.

It was Mother´s Day in Bolivia so as we got to the restaurant there were no free tables. After waiting a bit, we could order what came out to be the “best meal in Bolivia”, quoting my fellow passenger. I had a vegetarian meal – the only one there was – but the food was delicious and the size of the portion was far more than I could handle. And I am good at handling large portions.

See more photos here.
After that huge meal we happily boarded the train, thinking of a good siesta to help make the digestion. The train was comfortable and there was a TV with a DVD player, which gave us plenty of entertaining after it got dark. Before that the landscape was all the entertaining we needed.

From the window we could see the “last breath” of Lake Titicaca, as these small(er) lakes are the ones that connect the only river that drains it. The river feeds these lakes and dies here, as water evaporates quickly due to the dry climate. The waters are shallow and flamingoes can be seen with their feet soaked. (If only flamingoes had “feet”…)

As the sun sets blankets are brought to passengers: the temperature outside drops to a bitter, harsh, cutting cold as the wind blows on the altiplano. There aren´t close mountais to exert any resistance to it, so it blows and everything is swept away, lips get cold sores and ears hurt.

After seven or eight hours of almost-watching movies in the train, we get to Uyuni, the pueblo in the middle of nowhere that used to be the place where railroads crossed on their different paths to Chile and the south. It is also the base for visiting the Salar de Uyuni, a huge salt field with more than 140km in diameter.

In Uyuni I felt the coldest in my whole life. I know I come from a city where snowing is a phenomenon and live in another one where exactly the same happens; I know that I´ve lived close to the tropics my teenage years; in short, I know that my “cold” measuring is probably not the best; but still – it was cold. And the worst part? No heating.

The next day was “Salar day”. The experience was so amazing that it deserves a full independent post.